Este conto é dedicado a uma colega da blogosfera, pessoa que, não conhecendo pessoalmente, já me merece a maior estima e admiração: a Susana B. (blogue: Palavras que me tocam).
Foi o meu segundo trabalho literário censurado após a "Revolução dos Cravos", desta vez não a lápis azul (prática da polícia política PIDE-DGS) mas a caneta de feltro amarelo fluorescente.
O "TURRA MUSSOLÉ"
Mussolé era um nome temido tanto pelas tropas portuguesas como pela população nativa que, obrigatoriamente, lhe dava abrigo. Havia pertencido a um grupo de combate integrado no nosso exército como GE (Grupos Especiais), porque, não combatendo por idealismo, o seu lugar era junto daqueles que lhe proporcionavam mais regalias. Integrava, dado o seu prestígio junto das populações, um grupo de guerrilheiros, havendo-lhe sido atribuído um cargo de chefia. O comandante supremo do seu destacamento nómada naquela zona do leste de Angola era um português, ex-alferes miliciano e com ele movimentavam-se dois ou três cubanos e um chinês. Paradoxalmente, ou talvez não - aquela guerra também se sustentava assim - o senhor alferes, pertencente a uma família abastada, havia-se passado para o outro lado e, pasmem-se os mais incrédulos, recebia e emitia a sua correspondência para a Metrópole através da PIDE-DGS !?...
Certo dia assisti a um recrutamento e selecção desses GE's. Foi colocada uma mesa rectangular ao ar livre junto à tenda do Comando, ficando sentado ao centro o alferes-médico, ladeado por um enfermeiro e pelo cabo escriturário. Os nativos aguardavam ansiosos, de pé, em fila indiana e iam sendo submetidos a um interrogatório e inspecção médica sumários. Daquele colectivo quem decidia quanto à aptidão ou não era o médico. Chegada a vez do interrogatório a um negro de aspecto robusto e convencido, e mesmo antes de preenchidos os quesitos pelo cabo escriturário, o alferes-médico olhou-o muito fixamente, estranhando o facto dele usar uns óculos de armação dourada tipo Ray-Ban com lentes de vidro translúcidas mas visivelmente sem graduação. O médico, já experimentado com situações análogas, conteve o sorriso e, já prevendo a resposta, perguntou-lhe de forma inquisitória:
- O teu nome? Quem é que receitou esses óculos ao meu amigo? Essas lentes são graduadas?
O negro sorriu e respondeu timidamente:
- Chamô-me Zé, sinhor dotori. Os óculis são p' a dar catagoria!
A resposta provocou uma risada por parte daqueles que assistiam à selecção. À semelhança do que acontecia com Mussolé, também neste negro estava arreigada a convicção de que serem militares ou guerrilheiros, ostentarem uns óculos, possuírem uma bicicleta e um rádio transistorizado eram sinais exteriores de riqueza e de promoção social, tornando-os, assim, alvo da preferência de muitas mulheres e prestigiados junto das outras pessoas.
Um dia, Mussolé foi denunciado por um marido traído, informando os militares da presença do perigoso terrorista na sua cabana, "comendo mulher e comendo a comida". Foi imediatamente emboscado e feito prisioneiro juntamente com outro camarada de deserção. Foram amarrados com cordas à volta dos pulsos e das pernas e arrastados para um cubículo contíguo à enfermaria do aquartelamento. Alí aguardariam a chegada do senhor inspector da PIDE, o qual se encontrava no gozo dumas curtas férias em Luanda. Era a ele que competia interrogar, torturar, mandar matar, enfim, decidir da sorte daqueles dois guerrilheiros terroristas. Sabia-se, contudo, que o mais certo seria a libertação, dada a ligação existente entre eles e o tal grupo misto.
Não era necessário ser-se muito inteligente para se perceber que qualquer polícia, mesmo a tenebrosa, omnipotente e omnipresente polícia política, obtinha os seus frutos ao nível da investigação, a troco de algumas facilidades concedidas aos seus informadores...
O cabo enfermeiro sabia-o perfeitamente. Mas tinha "um pó desgraçado" aos terroristas e custava-lhe aceitar que tal acontecesse. Era conhecido pelo seu sadismo, pelas suas práticas cirúrgicas a sangue-frio realizadas de forma artesanal mesmo aos seus camaradas quando feridos. Tinha no seu currículo um vasto rol de atrocidades cometidas ao inimigo. E o inimigo, no seu ignorante entendimento, eram todos aqueles de raça negra, os quais considerava como animais selvagens, sem alma, independentemente do sexo ou idade.
Durante uma operação em que detectaram um aglomerado populacional, os próprios camaradas ficaram chocados com a sua crueldade, e eu ainda guardo uma fotografia do cadáver duma menina com aproximadamente dez anos de idade que, prostrada de joelhos, lhe implorava, chorando:
- Shindel (branco) não mata! Shindel não mata!
O cabo Miranda, de pé, com a G-3 apontada àquela criança indefesa e suplicando por misericórdia, arregalou os seus olhos verdes de felino enraivecido, esboçou na sua boca imunda um sorriso do tamanho dum cano de esgoto, e gozou à brava com aquele orgasmo pedófilo, ejaculando balas de 7,62 milímetros naquele corpinho virgem e desprotegido.
Numa outra operação em que foram dizimadas todas as criaturas encontradas, sugeriu ao comandante do pelotão (coitado, era um banana e temia-o) que preservasse uma negra alta e com um rosto e um corpo lindos, pois tinha um plano em mente que decerto iria ser do contentamento geral. Eram, salvo erro, catorze homens cansados, mal alimentados e suados, mas também perturbados. Contudo, restavam-lhes ainda forças para misturarem a sujidade mental à promiscuidade do acto que ninguém hesitou praticar. Aquela mulher negra e bela ali ficou deitada, nua, de barriga para o ar, com as pernas bem abertas e flectidas. Apenas lhe restava esperar. Fechou os olhos e voltou a cabeça para o lado. Duvido que tenha sentido a penetração dos treze monstros saltitantes. O décimo quarto e último foi o cabo enfermeiro, o qual iria desferir o golpe de misericórdia, libertando aquela bela fêmea negra do sofrimento causado pela bárbara violação colectiva.
Com a mente tão ranhosa quanto o seu membro viril, atirou-se para cima dela e "carinhosamente" manteve inerte a sua faca de mato sustentando-a com o punho contra o seu peito enquanto a ponta afiada se comprimia entre os enormes e bem machucados seios viscosos da vítima. Tombou arfando sobre ela, ejaculou a imundície contida nos seus testículos e deliciou-se enquanto se foi esfregando no sangue quente que ia jorrando e escorrendo entre os dois corpos.
No dia seguinte ao do aprisionamento de Mussolé e do seu companheiro tivemos conhecimento de que o inspector Brotas estaria de regresso. Durante o arrastamento dos prisioneiros até ao cubículo, um deles havia espetado um pedaço de madeira nas costas e foi pedido ao cabo Miranda que o tratasse. Foi para ele um prazer efectuar tal operação. Com o auxílio da faca de mato, sem qualquer anestésico, retirou-lhe o objecto estranho, provocando-lhe uma hemorragia. Aplicou-lhe uma compressa embebida em urina e um trapo bem apertado à volta do tronco. Nessa noite, o cabo Miranda, em conluio com outro soldado racista, arquitectou um maquiavélico estratagema para livrarem definitivamente da dor o Mussolé e o seu companheiro. E preservarem, sobretudo, os terroristas da proximidade com o malvado inspector da PIDE, que estava de regresso. O tempo urgia. Deixaram a porta do cubículo ligeiramente aberta, fingindo esquecimento, enquanto aguardaram impacientes o desenrolar dos acontecimentos. Tal como haviam previsto, os prisioneiros, ao darem conta da imprudente distracção dos carcereiros, abriram a porta lenta e cautelosamente, espreitaram para o exterior e intentaram a fuga. Não estava ninguém por perto. Era a hora de os oficiais e sargentos estarem a jogar e a beber, o mesmo acontecendo com os restantes militares. A fuga apresentava-se fácil. Saíram vagarosamente na direcção da sanzala. As rajadas inopinadas assustaram-nos. Todos os militares acorreram ao local, abandonando o jogo e as bebidas em cima das mesas. Cá fora, também o jogo do gato e do rato havia terminado. Obviamente, com a exterminação dos últimos em consequência da emboscada montada pelos caçadores furtivos.
Nota: Os nomes relatados neste texto são fictícios.
Certo dia, na Rua Augusta, em Lisboa, deparei com o ex-cabo enfermeiro, acompanhado da
presumível esposa e ladeados por duas lindas crianças louras. Ele reconheceu-me mas eu afastei-me para o outro lado da rua, ignorando-o.
Foi o meu segundo trabalho literário censurado após a "Revolução dos Cravos", desta vez não a lápis azul (prática da polícia política PIDE-DGS) mas a caneta de feltro amarelo fluorescente.
O "TURRA MUSSOLÉ"
Mussolé era um nome temido tanto pelas tropas portuguesas como pela população nativa que, obrigatoriamente, lhe dava abrigo. Havia pertencido a um grupo de combate integrado no nosso exército como GE (Grupos Especiais), porque, não combatendo por idealismo, o seu lugar era junto daqueles que lhe proporcionavam mais regalias. Integrava, dado o seu prestígio junto das populações, um grupo de guerrilheiros, havendo-lhe sido atribuído um cargo de chefia. O comandante supremo do seu destacamento nómada naquela zona do leste de Angola era um português, ex-alferes miliciano e com ele movimentavam-se dois ou três cubanos e um chinês. Paradoxalmente, ou talvez não - aquela guerra também se sustentava assim - o senhor alferes, pertencente a uma família abastada, havia-se passado para o outro lado e, pasmem-se os mais incrédulos, recebia e emitia a sua correspondência para a Metrópole através da PIDE-DGS !?...
Certo dia assisti a um recrutamento e selecção desses GE's. Foi colocada uma mesa rectangular ao ar livre junto à tenda do Comando, ficando sentado ao centro o alferes-médico, ladeado por um enfermeiro e pelo cabo escriturário. Os nativos aguardavam ansiosos, de pé, em fila indiana e iam sendo submetidos a um interrogatório e inspecção médica sumários. Daquele colectivo quem decidia quanto à aptidão ou não era o médico. Chegada a vez do interrogatório a um negro de aspecto robusto e convencido, e mesmo antes de preenchidos os quesitos pelo cabo escriturário, o alferes-médico olhou-o muito fixamente, estranhando o facto dele usar uns óculos de armação dourada tipo Ray-Ban com lentes de vidro translúcidas mas visivelmente sem graduação. O médico, já experimentado com situações análogas, conteve o sorriso e, já prevendo a resposta, perguntou-lhe de forma inquisitória:
- O teu nome? Quem é que receitou esses óculos ao meu amigo? Essas lentes são graduadas?
O negro sorriu e respondeu timidamente:
- Chamô-me Zé, sinhor dotori. Os óculis são p' a dar catagoria!
A resposta provocou uma risada por parte daqueles que assistiam à selecção. À semelhança do que acontecia com Mussolé, também neste negro estava arreigada a convicção de que serem militares ou guerrilheiros, ostentarem uns óculos, possuírem uma bicicleta e um rádio transistorizado eram sinais exteriores de riqueza e de promoção social, tornando-os, assim, alvo da preferência de muitas mulheres e prestigiados junto das outras pessoas.
Um dia, Mussolé foi denunciado por um marido traído, informando os militares da presença do perigoso terrorista na sua cabana, "comendo mulher e comendo a comida". Foi imediatamente emboscado e feito prisioneiro juntamente com outro camarada de deserção. Foram amarrados com cordas à volta dos pulsos e das pernas e arrastados para um cubículo contíguo à enfermaria do aquartelamento. Alí aguardariam a chegada do senhor inspector da PIDE, o qual se encontrava no gozo dumas curtas férias em Luanda. Era a ele que competia interrogar, torturar, mandar matar, enfim, decidir da sorte daqueles dois guerrilheiros terroristas. Sabia-se, contudo, que o mais certo seria a libertação, dada a ligação existente entre eles e o tal grupo misto.
Não era necessário ser-se muito inteligente para se perceber que qualquer polícia, mesmo a tenebrosa, omnipotente e omnipresente polícia política, obtinha os seus frutos ao nível da investigação, a troco de algumas facilidades concedidas aos seus informadores...
O cabo enfermeiro sabia-o perfeitamente. Mas tinha "um pó desgraçado" aos terroristas e custava-lhe aceitar que tal acontecesse. Era conhecido pelo seu sadismo, pelas suas práticas cirúrgicas a sangue-frio realizadas de forma artesanal mesmo aos seus camaradas quando feridos. Tinha no seu currículo um vasto rol de atrocidades cometidas ao inimigo. E o inimigo, no seu ignorante entendimento, eram todos aqueles de raça negra, os quais considerava como animais selvagens, sem alma, independentemente do sexo ou idade.
Durante uma operação em que detectaram um aglomerado populacional, os próprios camaradas ficaram chocados com a sua crueldade, e eu ainda guardo uma fotografia do cadáver duma menina com aproximadamente dez anos de idade que, prostrada de joelhos, lhe implorava, chorando:
- Shindel (branco) não mata! Shindel não mata!
O cabo Miranda, de pé, com a G-3 apontada àquela criança indefesa e suplicando por misericórdia, arregalou os seus olhos verdes de felino enraivecido, esboçou na sua boca imunda um sorriso do tamanho dum cano de esgoto, e gozou à brava com aquele orgasmo pedófilo, ejaculando balas de 7,62 milímetros naquele corpinho virgem e desprotegido.
Numa outra operação em que foram dizimadas todas as criaturas encontradas, sugeriu ao comandante do pelotão (coitado, era um banana e temia-o) que preservasse uma negra alta e com um rosto e um corpo lindos, pois tinha um plano em mente que decerto iria ser do contentamento geral. Eram, salvo erro, catorze homens cansados, mal alimentados e suados, mas também perturbados. Contudo, restavam-lhes ainda forças para misturarem a sujidade mental à promiscuidade do acto que ninguém hesitou praticar. Aquela mulher negra e bela ali ficou deitada, nua, de barriga para o ar, com as pernas bem abertas e flectidas. Apenas lhe restava esperar. Fechou os olhos e voltou a cabeça para o lado. Duvido que tenha sentido a penetração dos treze monstros saltitantes. O décimo quarto e último foi o cabo enfermeiro, o qual iria desferir o golpe de misericórdia, libertando aquela bela fêmea negra do sofrimento causado pela bárbara violação colectiva.
Com a mente tão ranhosa quanto o seu membro viril, atirou-se para cima dela e "carinhosamente" manteve inerte a sua faca de mato sustentando-a com o punho contra o seu peito enquanto a ponta afiada se comprimia entre os enormes e bem machucados seios viscosos da vítima. Tombou arfando sobre ela, ejaculou a imundície contida nos seus testículos e deliciou-se enquanto se foi esfregando no sangue quente que ia jorrando e escorrendo entre os dois corpos.
No dia seguinte ao do aprisionamento de Mussolé e do seu companheiro tivemos conhecimento de que o inspector Brotas estaria de regresso. Durante o arrastamento dos prisioneiros até ao cubículo, um deles havia espetado um pedaço de madeira nas costas e foi pedido ao cabo Miranda que o tratasse. Foi para ele um prazer efectuar tal operação. Com o auxílio da faca de mato, sem qualquer anestésico, retirou-lhe o objecto estranho, provocando-lhe uma hemorragia. Aplicou-lhe uma compressa embebida em urina e um trapo bem apertado à volta do tronco. Nessa noite, o cabo Miranda, em conluio com outro soldado racista, arquitectou um maquiavélico estratagema para livrarem definitivamente da dor o Mussolé e o seu companheiro. E preservarem, sobretudo, os terroristas da proximidade com o malvado inspector da PIDE, que estava de regresso. O tempo urgia. Deixaram a porta do cubículo ligeiramente aberta, fingindo esquecimento, enquanto aguardaram impacientes o desenrolar dos acontecimentos. Tal como haviam previsto, os prisioneiros, ao darem conta da imprudente distracção dos carcereiros, abriram a porta lenta e cautelosamente, espreitaram para o exterior e intentaram a fuga. Não estava ninguém por perto. Era a hora de os oficiais e sargentos estarem a jogar e a beber, o mesmo acontecendo com os restantes militares. A fuga apresentava-se fácil. Saíram vagarosamente na direcção da sanzala. As rajadas inopinadas assustaram-nos. Todos os militares acorreram ao local, abandonando o jogo e as bebidas em cima das mesas. Cá fora, também o jogo do gato e do rato havia terminado. Obviamente, com a exterminação dos últimos em consequência da emboscada montada pelos caçadores furtivos.
Nota: Os nomes relatados neste texto são fictícios.
Certo dia, na Rua Augusta, em Lisboa, deparei com o ex-cabo enfermeiro, acompanhado da
presumível esposa e ladeados por duas lindas crianças louras. Ele reconheceu-me mas eu afastei-me para o outro lado da rua, ignorando-o.
30 comentários:
Olá António.
obrigada pela dedicatória.
Não me admirei por esta história ter sido censurada. Muitas vezes (ou a maioria das vezes) a ignorância mantém o espírito quieto.
Um abraço.
Susana.
António,
Voltei. Achei que ainda não tinha dito tudo sobre este conto:
Digamos que fiquei chocada sem o ficar. Já conhecia histórias de guerra semelhantes e durante a tese construi à minha volta uma "capa" que me defende psicologicamente destas descrições (tive que a construir de outra maneira não conseguiria ser isenta), mas fazem-nos questionar sempre o bom e o mau que há em todos nós. Fazem-nos questionar em que momentos é que cada um deles se revelam. Em que momentos é que eu serei boa. Em que momentos é que eu serei má...e será que existe meio-termo?
Um abraço.
Susana
Olá Susana
Muito obrigado por ter lido o meu conto. Nem todos os que escrevi "enfermam" de tanta crueza. Mas que a história é verdadeira, é!
Aparecerão alguns que, inclusivé, relatam o uso de armas químicas, biológicas e outras proibidos pela Convenção de Genebra. Ou entende que não devo publicá-los ? Diga-mo sinceramente.
Um grande abraço. Tó
Olá António,
Este seu post é fortíssimo!
É do conhecimento geral que em tempo de guerra se passaram muitas atrocidades mas as coisas descritas desta forma, por alguém que viveu e assistiu a tudo, falando de pessoas concretas, torna tudo mais cruel. Entende-se porque foi sensurada! Admiro a sua coragem e discernimento para a conseguir escrever apesar da loucura que se vivia. Doi-me só imaginar as situações e é degrandante perceber o que o homem pode fazer ao seu semelhante.
O nativo de Peixes é um eterno sonhador e um sofredor também, sofre por si e pelos outros. Espero que tenha conseguido aprender a viver com todas estas memórias e acho que faz muito bem em deitar tudo cá para fora.
Um abraço,
Carmen
Olá António
Ainda não tinha vindo a este seu lugar das realidades mais desumanas em tempo de guerra. O pior de tudo é que estas atrocidades continuam presentes no nosso século. Não sei se em situação normal estes seres serão capazes de proceder com tanta falta de humanidade, mas o mal não se desculpa, não tem perdão. As consciências destes energúmenos ninguém as pode ler. Eu acredito que quem mata, seja quem for, com esse sangue frio sabe muito bem que está a praticar o mal e matar uma criança ou violar uma mulher merece...nem quero dizer mais porque sou contra a pena de morte, mas fico tão empaticamente ligada ao sofrimento que a revolta é inevitável.
Isabel
Carmen
Encerrei para obras este blogue porque, como muito bem disse a Susana B. (palavras que me tocam), só daqui a 50 ou mesmo 100 anos é que - talvez - seja possível contar o que se passou no Estado Novo e durante a Guerra Colonial. São vários os jovens universitários (amigos dos meus filhos) que me procuram, porque nas Faculdades não aprendem nada, pior, ficam confusos com a matéria.
Aqui, neste espaço, não sou poeta, sou um ex-combatente marcado para sempre. Estou integrado numa Associação que apoia os ex-combatentes vítimas de Stresse de Guerra. Felizmente não me considero traumatizado pela guerra mas sim, ai isso sim, pela vida.
Não fora a minha educação e convicção espiritualista...
Ob. por ter vindo até este espaço.
Bom fim-de semana.
António
Isabel
Perdoe-me. Estou cansado. As palavras que enderecei à Carmen servem para si também. Acrescentarei apenas que tenho um livro de Contos intitulado "Ficheiros Secretos da Guerra Colonial" em Editora há um ano. Será que o publicarão daqui a 50 anos? Contos ligeiros como estes que publiquei. A pensar nos jovens. Aconselho-as a lerem uma peça em I Acto que está nas T.Poemáticas chamado "Um Negro Bué da Fixe". Quem já o leu gostou muito.
Já lhe desejei bom-fim-de-semana, mas outra vez não é demais.
Beijinho
António
Olá António,
Não tem nada que agradecer. Eu é que agradeço poder fazer parte do seu mundo virtual.
Até breve.
Não vejo motivos para censuras.
Um abraço,
Renata
Renata
Muito obrigado pela visita e pela sua opinião.
Beijo com ternura
António
Poderia muito escrever
No papel vago da desolação,
Poderia meu pensamento submeter
À lei da evasão
E por momentos ver
Os desígnios da ocasião.
Mas não o faço por temer
Ser muito vaga, sem determinação,
Por não saber o que foi viver
Aqueles dias de guerra e desolação,
Dias que teimaram em ser
Desgraça e violação.
Forte este texto. Definitivamente, ninguém fica indiferente às frases desenhadas em "O "Turra Mussolé"".
Cumprimentos poéticos,
Natália Bonito
finalmente leio-o alguma coisa sua que realmente me toca, fortissimas nao sao as suas palavras, porque palavras sao só palavras, forte é o sentimento que nos devora ao ler esta historia e o facto de ser real, tenho um bom amigo que também combateu na guerra colonial, e por vezes conta pequenos contos a mesa do jantar que nos faz perder o apetite... contudo nao deve ser censurado, pelo contrario ate deveria ser documentado, falado e exposto, porque a realidade dos factos,a miseria que assumbra o continente africano deve se sobretudo a ganancia, ira e desdem do homem branco.
Simplesmente magnífico! Belo texto. Muito duro de ler e difícil sequer de imaginar certos acontecimentos descritos...
Foi pena não dizer, no seu encontro da Rua Augusta, ao ex-cabo enfermeiro que imaginasse a sua mulher ou as suas duas lindas meninas na situação daquela negra brutalmente violada. No entanto, percebo perfeitamente a sua decisão.
Os meus sinceros Parabéns.
Gonçalo
Olá Bárbara
Vocês jovens não imaginam o que nós, cotas, sofremos e ainda estamos a sofrer... Mas nós, cotas, também nunca imaginámos que vocês, jovens, viessem a conhecer, depois da "Revolução dos Cravos", o flagelo da droga, da violência, a falta de estabilidade no emprego, enfim, um futuro sem futuro. Já leu o meu poema "Arrumadores"?
Tenho dois filhos... Olhe, por ora gozemos as coisas belas que a Bárbara e tantas outras pessoas com talento e arte nos oferecem.
Obrigado pela opinião.
Abraço terno.
António
NATÁLIA, perdão!
Respondi primeiro à Bárbara. As palavras a ela dirigidas, se não se importar, servem para si.
Tenho ou não razão quando digo para irmos gozando com o talento e a arte das pessoas nas quais a si incluo? Veja-se a sua resposta improvisada!?
Obrigado pela sua opinião.
Cumprimentos poéticos.
António
Olá Gonçalo
Muito obrigado pelas suas palavras.
Fiquei muito feliz por o receber no meu blogue. Mt obigado também pela opinião. Também já encontrei em Lisboa um 1ºSargento que nos roubava à descarada (até nos cobrava lavagens de lençóis (na mata) sem os usarmos. E roubáva-nos o dinheiro do desarranchamento quando vínhamos de férias. Mais tarde recebi-o porque um sargento amigo, noutra Compª, conseguiu ir buscá-lo. Há por aí muita vivenda à beira da estrada, muita Quinta com cavalinhos que foram conseguidas com o produto do roubo ao Estado e aos militares, por muitos sem escrúpulos. Eles queriam eram comissões! Até levavam a família! Por isso não convém, por enquanto, falar das coisas...
Conheci um Comando que acreditava que o preto não tinha alma. Matou sem piedade! Mais tarde vem a ter netos mulatos. Então? Alcoólico, claro! Já lá está. Era meu cunhado. Paz à sua Alma. Eu entendo-o e por mim, está perdoado.
Vou publicar mais, sim senhor. Mas contos mais ligeiros.
Um grande abraço para si e para o Cartaxo.
António
Negra
Eras negra cativa
espaço de deleito e pecado
tua pele santa e tentadora, de mulher.
teu corpo estilhaçado
num colchao de palha tombado
pronto a satisfazer
Tinhas os olhos cerrados
esses diamantes raros,
nunca mais avistaram a luz
tinhas a alma cataverica,
gritando por libertaçao
enquanto o pensamento voava
tal e qual uma borboleta
junto ao rio pousava
na tua mão de mãe, de filha, de neta
de alguém, na tua mão de menina
Escorriam-te dos olhos as gotas da fobia
suores frios e trémulos, apoderaram-se de ti
tinhas um crucifixo pendente do peito
a boca manchada se sal e fel
enquanto gotas de sangue caiam
das tuas mãos apertadas
da tua boca cerrada
do teu útero de mulher
Vieram do nada, de terras malditas
aqueles seres uivantes, sedentes de desejo
aqueles seres rastejantes, arfado imundície.
esfregando a pele sebosa e dita cristã
roçando testículos cheiro a escremento
ejaculando vermes de desalento
em teu corpo pequenino, em teu corpo indefeso
salivavam nas tuas ancas que nem cães
agarrados a um osso...
puxavam-te os cabelos, arranhavam-te os braços
pendestes no chão...
Teu seio amoroso, rasgado, dentes em lava
teu seio virgem, despedaçado...
olhos semi-cerrados, espumantes de prazer
olhos esbugalhados vertendo delirios
olhos verde água, olhos dum branco...cheio de tesão
olhos dum branco sem escrupulos, nem coração
Sentiste cada movimento, em ventre...
cada brutalidade viril dum macho nojento
tinhas as pernas bambas descaidas
tinhas os braços tombados, ja sem vida
morreste antes da navalha te degulhar
e o sangue quente jorrar
do teu pescoço de gazela...
morreste... e ninguém estava para velar
a tua morte... ninguém quis saber o teu nome
ninguém sabia quem tu eras...
Bárbara
Este seu poema, quase conto - como lhe chamaria a Maria Zélia - deixou-me, durante algum tempo, de braços cruzados, a olhar para o monitor. Encontrei nele a forma poética de espelhar a dramática violação narrada no meu conto. Há momentos em que penso não dever tecer considerações longas a um trabalho (artístico) como este, porque corro o risco de falhar, por excesso ou por defeito.
Vou colocá-lo junto ao meu conto, no dossier. Se me permitir, gostava de o publicar aqui no blogue.
Deu-me muita força para continuar a publicar os contos da guerra. Muito obrigado.
Saudações poéticas.
António
Olá António,
Eu quero comentar... mas as palavras não me saiem, estou chocada e arrepiada com este relato, algumas frases custaram-me até a ler, como é possível tamanha crueldade?
Mas apesar do meu pouco conhecimento sobre o assunto, em duas coisas tenho a certeza:
1º Atrocidades como estas não devem ser escondidas do mundo e os seus autores devem ser denunciados e julgados pelos seus crimes.
Um blog como este deveria ser traduzido em várias línguas até.
2º Estes crimes só foram cometidos, porque os seus autores detinham o poder e a força, e porque a época assim o permitiu.
Provavelmente todos os que tiveram conhecimento destes e de outros crimes, das duas uma:
- Ou eram uns zé ninguém, e as suas palavras nunca seriam levadas a sério, se é que conseguissem sequer viver para falar,
- ou até tinham poder para fazer algo, mas quiçá eram como os criminosos, ou então desculpavam-nos porque os coitados já estavam a sofrer, longe de casa, etc e tal...
Pena não terem sido denunciados e julgados, podia ser que depois de uma estadia na cadeia a serem usados umas catorze vezes por dia mudassem as suas mentes cuéis e nojentas.
Helena
Não foi minha intenção chocar as pessoas. Posso dizer-lhe que tenho um guião para um programa televisivo onde o principal objectivo seria o desculpabilizar as consciências dos ex-combatentes. Têm sofrido eles, os familiares e quem está à sua volta. Esta história relata apenas duas atrocidades cometidas por alguém que adorava fazer mal: deveria ser julgado por isso. Mas, muitos são os que sofrem porque... para sintetizar, como disse Jesus:
-Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!
Não vá dormir a pensar nisto, 'tá bem?
Beijinhos
António
Quem esteve na guerra e presenciou as atrocidades, tem que as contar como as sentiu. Beijos.
Paula
Fico feliz com o regresso.
Obrigado pela força.
Beijinho
António
Dolorosos tempos, tempos esses que vivi em Moçambique.
Um relato muito bem construído,relatando factos verídicos,parabéns.
Madalena
Olá madalena
Muito obrigado pela visita.
Estive na Guerra Colonial em Angola mas tive familiares a viverem em Moçambique. E colegas de trabalho. O meu filho esteve em serviço no Maputo, há muito pouco tempo. A sua namorada é da Beira (Sofala).
Beijo com amizade.
António
Amigo António,não foi fácil,nada fácil mesmo conseguir ler o texto até ao fim, mas consegui, e ,questiono-me em relação à censura!
Porquê censurado? porque a vivência que relatou é a VERDADEIRA VERDADE?
Saltem muitos cá para fora como este,para que nós que não fomos à guerra, e os jovens de hoje conheçam a VERDADE!
Eu, pessoalmente nem numa situação de guerra consigo compreender actos tão BÁRBAROS!Será que estavam loucos?será que a guerra serve de desculpa para que o homem cuspa toda a sua raiva sobre inocentes?É asqueroso, é nojento, é...eu nem sei como classificar esse cabo-enfermeiro!!!!
Devia ser julgado, condenado,por todos os crimes de guerra.Será que esse DESGRAÇADO dorme tranquilamente sabendo e tendo consciência do todo o horror que deixou para trás?!
Que pena não ter sido eu a cruzar-me com ele na Rua Augusta...naquele momento,mulher e filhas ficavam com a certeza do MONSTRO que as acompanhava...
Não tenho capacidade de perdoar esse tipo de...CANALHAS!!!NUNCA!!!!...
Essas editoras que mandem mas é cá para fora esse livro.Eu não posso esperar 50 anos...
PS:Outra coincidência:Sou natural de Moçambique(Beira)-Distrito de Manica e Sofala...isto foi só para desanuviar um pouco...
Beijinhos
maria soledade
Gostei muito do seu comentário.
Dar-me-á ânimo para publicar mais.
A namorada do meu filho conhece bem a terra da sua naturalidade. O meu filho já esteve em Moçambique, mas no Maputo.
Um beijinho muito grande para si.
António
Vim ao seu blog, depois de andar por aí...
Cheguei ao seu conto, quis ver porque teria sido censurado...
É um relato muito forte. De tal modo bem escrito e descrito que me transportou ao local, ao cheiro, à cor, às vozes...
Parabéns! Continue a escrever! Eu virei ler com tempo e atenção, porque o merece!
Abraço terno
BIA
Olá Bia
Fiquei muito feliz com a sua visita.
Adorei o seu comentário.
Muito obrigado. Irei, certamente, visitar o seu blogue.
Abraço terno.
António
Por um acaso, descobri o seu fantástico blogue.
São actos como os praticados por esse cabo-enfermeiro que envergonham e enlameiam todo um exército.
Estava a ler o seu (belo e terrível) relato sobre essa bela negra e ansiava que no fim tudo fosse diferente. Mas não. Angustiante...
Vou ler todos os seus contos.
Abraço!
António,
apesar de saber tantas histórias que se passaram, esta contada por ti que as vivenciaste, que lidaste com esta gente, chocou-me muito.
Era muito importante que toda a gente pudesse ler o que realmente se passou para puder entender o sentimento de quem viveu aquela guerra.
Tomara que algum dia consigas publicar o livro. As verdades são para ser ditas!
Fazes bem em evidenciar as diferenças entre os militares que estiveram na guerra colonial. Esse homem é um sádico e um assassino. Não consigo desculpabilizar também os que participaram em violações por mais perturbados que estivessem.
Guerra é lutar com armas contra pessoas armadas!
Um beijo grande.
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