Após haver desembarcado em Luanda cambaleei ainda, ilusoriamente, durante algum tempo em consequência da viajem de oito dias, embalado incessantemente num enorme berço marinho sobre as águas do nosso imenso Oceano Atlântico.
Encontrei, abracei, desabafei e chorei no ombro amigo e alentador do Gilberto, um companheiro de infância, prestes a terminar a sua comissão de serviço. Levou-me a passear pela Mutamba (baixa de Luanda) e ofereceu-me uma refeição num restaurante no bairro da Maianga : uma omeleta recheada de enormes, suculentas e muito apetitosas gambas. Fiquei a conhecer o sabor das duas principais marcas de cerveja fabricadas em Angola : a Cuca e a Nocal. Preferi sempre a segunda. Depois da sobremesa uma constatação dolorosa para um viciado em cafeína : Angola, terra de café, não tinha bica à portuguesa. Curiosamente, decorridos mais ou menos uns seis meses, um tio do meu camarada e amigo Carlos Gonçalves (o “Pica”), negociante na cidade do Porto, empreendedor e conhecedor do negócio, criou um lote especial de café e acabou com os açucareiros. Deu-se muito rapidamente a expansão do café “cimbalino” e do açúcar em pacotes com a marca Cafés Moura.
Encaminhámo-nos, posteriormente, para o seu gabinete de trabalho no Quartel-General. Acompanhei-o, timidamente, através daqueles corredores classificados de secretos, esforçando-me numa postura discreta embora perigosa para ambos. Ostentávamos nas boinas e nas lapelas dos blusões os distintivos que nos identificavam como pertencendo à Cheret (Chefia do Reconhecimento das Transmissões), contudo, eu não fazia parte dos quadros daquela Unidade. Era efectivamente um intruso.
Encontrei, abracei, desabafei e chorei no ombro amigo e alentador do Gilberto, um companheiro de infância, prestes a terminar a sua comissão de serviço. Levou-me a passear pela Mutamba (baixa de Luanda) e ofereceu-me uma refeição num restaurante no bairro da Maianga : uma omeleta recheada de enormes, suculentas e muito apetitosas gambas. Fiquei a conhecer o sabor das duas principais marcas de cerveja fabricadas em Angola : a Cuca e a Nocal. Preferi sempre a segunda. Depois da sobremesa uma constatação dolorosa para um viciado em cafeína : Angola, terra de café, não tinha bica à portuguesa. Curiosamente, decorridos mais ou menos uns seis meses, um tio do meu camarada e amigo Carlos Gonçalves (o “Pica”), negociante na cidade do Porto, empreendedor e conhecedor do negócio, criou um lote especial de café e acabou com os açucareiros. Deu-se muito rapidamente a expansão do café “cimbalino” e do açúcar em pacotes com a marca Cafés Moura.
Encaminhámo-nos, posteriormente, para o seu gabinete de trabalho no Quartel-General. Acompanhei-o, timidamente, através daqueles corredores classificados de secretos, esforçando-me numa postura discreta embora perigosa para ambos. Ostentávamos nas boinas e nas lapelas dos blusões os distintivos que nos identificavam como pertencendo à Cheret (Chefia do Reconhecimento das Transmissões), contudo, eu não fazia parte dos quadros daquela Unidade. Era efectivamente um intruso.
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Foi com enorme perplexidade que aí deparei com um mapa gigante de Angola no qual se encontravam devidamente assinalados, por coordenadas, os símbolos dos diversos Movimentos de Libertação disseminados pelo território angolano, incluindo o enclave de Cabinda. Não consegui conter o meu espanto e lembro-me de haver proferido num tom de voz mais elevado e exaltado : - Mas afinal que puta de guerra é esta ?
Fui-me apercebendo, com o decorrer do tempo, que os senhores generais, brigadeiros, coronéis, assim como toda a tropa em geral, não passavam de peças armadas naquele imenso tabuleiro de xadrez bélico, movidas pela maquiavélica polícia política.
Decorria o ano de 1971 e o governo central e colonizador, situado a cerca de dez mil quilómetros de distância, era conduzido pela cabeça e mão de ferro do continuador da “obra” de Salazar : o Primeiro Ministro Marcelo Caetano. O Presidente da República, Almirante Américo Tomaz, era uma figura meramente emblemática. Dizia o povo à sucapa e com muita precaução que o senhor Américo Tomaz havia sido um menino sobredotado, pois na Escola Primária já escrevia e lia tão bem como após haver sido eleito Presidente... De Salazar contava-se que, certa vez visitado pelo seu homólogo suíço, perguntou-lhe, com algum sarcasmo, qual a necessidade de a Suíça, país situado no centro da Europa e sem nenhumas tradições marítimas, ter um Ministério da Marinha. Ao que o seu interlocutor terá ripostado com um largo sorriso amarelo :
- Que eu saiba, Senhor Presidente, em Portugal existe um Ministério da Educação e vocês, portugueses, não têm educação nenhuma !
Existia uma animosidade latente por parte da comunidade internacional, sobretudo ao nível dos países europeus com um grau de cultura mais avançada, em relação à posição do governo de Portugal (não aos portugueses) em teimar na afirmação peremptória e aberrante de Salazar : “orgulhosamente sós !”
Os portugueses que tinham a oportunidade de viajar de carro pela Europa deviam, para segurança da sua integridade física, não colocar, ou se o tivessem deviam retirá-lo, o dístico “P” usualmente colocado na traseira da viatura, o qual identificava o país de origem.
As nossas matrículas assemelhavam-se às holandesas mas o “P”, esse, era muito diferente de “NL”. Em toda a parte do mundo, mesmo na Europa mais civilizada, sempre existiram pessoas e grupos extremistas e esses não perdoavam àqueles que representavam o último bastião do colonialismo. Não só insultavam como até apedrejavam.
A toda-poderosa e tenebrosa polícia política confundia-se com a nossa própria sombra.
A táctica, porém, em desespero de causa, havia mudado, na esperança dum arrastamento na solução do conflito armado nas colónias. Assumia, contudo, contornos bem distintos, pois a guerrilha na Guiné já se havia tornado, ou para lá rapidamente se encaminhava, num “Vietename”, salvo as devidas proporções. O inteligente, experimentado e hábil estratega general Spínola já há muito que o havia entendido e debatia-se junto do poder central com as suas convicções frustradas.
Em Angola e Moçambique deu-se, então, início a uma nova etapa tendo em vista o aliciamento das populações. Foi a chamada “Acção Psicológica” que assentava na construção de infra-estruturas, desbravamento de matas e construção de estradas, picadas e pontes. Criação de postos de saúde e de escolas. E, sobretudo, a adopção de medidas exclusivamente defensivas em relação aos ataques dos Movimentos de Libertação. Não se podia tocar com um dedo num negro. Mas a solução, obviamente, e tal como a História no-lo viria comprovar, era apenas um adiar angustiado da resolução do problema, por demais complexo. Em Angola ouvi, durante dois anos, embora às escondidas, os discursos de Agostinho Neto, os quais apelavam sempre à necessidade da unidade dos angolanos, de todos os angolanos : negros, mulatos e brancos. Por duas vezes me dei conta das tentativas de sublevação de militares de alta patente portugueses, contudo, sempre goradas, pois a PIDE aliada aos grandes interesses económicos nacionais e internacionais jamais admitiriam sequer a auto-determinação, muito menos a independência. Curiosamente, tive oportunidade de conhecer (indirectamente, claro ! ), durante a minha comissão de serviço três militares com grande sentido patriótico e de integridade a toda a prova, muito embora em posições de maior ou menor responsabilidade. Simbolicamente, eu e o meu grupo de militares mais esclarecidos politicamente, chegámos a colocar a fotografia dum deles colada na porta da tenda de campanha e essa atitude valeu-nos um castigo, traduzido na dispersão do nosso grupo por várias tendas. Era a fotografia do Comandante-Chefe das Forças Armadas em Angola, o então General Costa Gomes. Os outros a quem atrás me referia eram o Comandante do Agrupamento de Engenharia, Vasco Gonçalves e o Comandante duma Companhia de Engenharia, o então Capitão Pinto Soares. Estas três personalidades militares reencontrei-as através da televisão, por ocasião da "Revolução dos Cravos". Faziam parte do MFA (Movimento das Forças Armadas) e apareciam sentados na mesa do Conselho da Revolução.
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Foi com enorme perplexidade que aí deparei com um mapa gigante de Angola no qual se encontravam devidamente assinalados, por coordenadas, os símbolos dos diversos Movimentos de Libertação disseminados pelo território angolano, incluindo o enclave de Cabinda. Não consegui conter o meu espanto e lembro-me de haver proferido num tom de voz mais elevado e exaltado : - Mas afinal que puta de guerra é esta ?
Fui-me apercebendo, com o decorrer do tempo, que os senhores generais, brigadeiros, coronéis, assim como toda a tropa em geral, não passavam de peças armadas naquele imenso tabuleiro de xadrez bélico, movidas pela maquiavélica polícia política.
Decorria o ano de 1971 e o governo central e colonizador, situado a cerca de dez mil quilómetros de distância, era conduzido pela cabeça e mão de ferro do continuador da “obra” de Salazar : o Primeiro Ministro Marcelo Caetano. O Presidente da República, Almirante Américo Tomaz, era uma figura meramente emblemática. Dizia o povo à sucapa e com muita precaução que o senhor Américo Tomaz havia sido um menino sobredotado, pois na Escola Primária já escrevia e lia tão bem como após haver sido eleito Presidente... De Salazar contava-se que, certa vez visitado pelo seu homólogo suíço, perguntou-lhe, com algum sarcasmo, qual a necessidade de a Suíça, país situado no centro da Europa e sem nenhumas tradições marítimas, ter um Ministério da Marinha. Ao que o seu interlocutor terá ripostado com um largo sorriso amarelo :
- Que eu saiba, Senhor Presidente, em Portugal existe um Ministério da Educação e vocês, portugueses, não têm educação nenhuma !
Existia uma animosidade latente por parte da comunidade internacional, sobretudo ao nível dos países europeus com um grau de cultura mais avançada, em relação à posição do governo de Portugal (não aos portugueses) em teimar na afirmação peremptória e aberrante de Salazar : “orgulhosamente sós !”
Os portugueses que tinham a oportunidade de viajar de carro pela Europa deviam, para segurança da sua integridade física, não colocar, ou se o tivessem deviam retirá-lo, o dístico “P” usualmente colocado na traseira da viatura, o qual identificava o país de origem.
As nossas matrículas assemelhavam-se às holandesas mas o “P”, esse, era muito diferente de “NL”. Em toda a parte do mundo, mesmo na Europa mais civilizada, sempre existiram pessoas e grupos extremistas e esses não perdoavam àqueles que representavam o último bastião do colonialismo. Não só insultavam como até apedrejavam.
A toda-poderosa e tenebrosa polícia política confundia-se com a nossa própria sombra.
A táctica, porém, em desespero de causa, havia mudado, na esperança dum arrastamento na solução do conflito armado nas colónias. Assumia, contudo, contornos bem distintos, pois a guerrilha na Guiné já se havia tornado, ou para lá rapidamente se encaminhava, num “Vietename”, salvo as devidas proporções. O inteligente, experimentado e hábil estratega general Spínola já há muito que o havia entendido e debatia-se junto do poder central com as suas convicções frustradas.
Em Angola e Moçambique deu-se, então, início a uma nova etapa tendo em vista o aliciamento das populações. Foi a chamada “Acção Psicológica” que assentava na construção de infra-estruturas, desbravamento de matas e construção de estradas, picadas e pontes. Criação de postos de saúde e de escolas. E, sobretudo, a adopção de medidas exclusivamente defensivas em relação aos ataques dos Movimentos de Libertação. Não se podia tocar com um dedo num negro. Mas a solução, obviamente, e tal como a História no-lo viria comprovar, era apenas um adiar angustiado da resolução do problema, por demais complexo. Em Angola ouvi, durante dois anos, embora às escondidas, os discursos de Agostinho Neto, os quais apelavam sempre à necessidade da unidade dos angolanos, de todos os angolanos : negros, mulatos e brancos. Por duas vezes me dei conta das tentativas de sublevação de militares de alta patente portugueses, contudo, sempre goradas, pois a PIDE aliada aos grandes interesses económicos nacionais e internacionais jamais admitiriam sequer a auto-determinação, muito menos a independência. Curiosamente, tive oportunidade de conhecer (indirectamente, claro ! ), durante a minha comissão de serviço três militares com grande sentido patriótico e de integridade a toda a prova, muito embora em posições de maior ou menor responsabilidade. Simbolicamente, eu e o meu grupo de militares mais esclarecidos politicamente, chegámos a colocar a fotografia dum deles colada na porta da tenda de campanha e essa atitude valeu-nos um castigo, traduzido na dispersão do nosso grupo por várias tendas. Era a fotografia do Comandante-Chefe das Forças Armadas em Angola, o então General Costa Gomes. Os outros a quem atrás me referia eram o Comandante do Agrupamento de Engenharia, Vasco Gonçalves e o Comandante duma Companhia de Engenharia, o então Capitão Pinto Soares. Estas três personalidades militares reencontrei-as através da televisão, por ocasião da "Revolução dos Cravos". Faziam parte do MFA (Movimento das Forças Armadas) e apareciam sentados na mesa do Conselho da Revolução.
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