LARVA DE ANOPHELIS, causadora do Paludismo
Geralmente, na mata, a presença do médico fazia-se substituir pela maior ou menor experiência do furriel ou do cabo enfermeiro. Estes últimos iam adquirindo um traquejo clínico e até cirúrgico, por forma a colmatar a ausência dos alferes-médicos, recém-formados e obviamente, sem currículo e, na maioria, sem vocação.
Naquele dia quente aterrou na pista do nosso aquartelamento um alferes-médico para efectuar, durante uma semana, um rastreio clínico aos militares e população autóctone.
No primeiro dia de consultas observou dezoito pessoas e a todas elas diagnosticou paludismo (doença tropical contraída em consequência da picada dum insecto). Haviam-lhe ensinado durante a especialização que aquela era a doença mais frequente nos países tropicais. O tratamento preferencial, aliás não havia outro, era ministrado sob a for de comprimidos : Resoquina, para além do controle constante do estado febril, aplicando-se panos molhados sobre a testa e todo o resto do corpo, substituindo-os sempre que necessário. Na minha tenda chegámos a fazer turnos, dia e noite, a um camarada com hipertermia.
Resoquina tomava-se por tudo e por nada. Continha uma substância de alto teor de acidez e por isso devia ser tomado com muita água e, caso houvesse, algo sólido (uma côdea dura de pão, por exemplo). Quando prescrito havia sempre o cuidado reiterado de indicar ao doente aquele procedimento.
No último dia da visita do médico ao aquartelamento, e dado encontrar-me muito debilitado física e psicologicamente, resolvi colocar-me na fila para solicitar ao médico autorização para me serem fornecidas cápsulas vitamínicas, que eu sabia existirem num armário da Enfermaria, assim como o ansiolítico, hipnótico, miorrelaxante e anti-convulsiomante DIAZEPAM. Assim, evitaria ao meu amigo enfermeiro (por vocação) Luis Duque futuros constrangimentos e até uma eventual sanção disciplinar sempre que mos trouxesse, um a um, às escondidas. O Luís era um excelente rapaz e um bom amigo. Decorador e vendedor de móveis tornou-se num paramédico excepcional, a quem não o conhecendo, se lhe poderia retirar o “para”. Tinha vocação e era dedicado e exemplar tanto nos diagnósticos como nas pequenas intervenções cirúrgicas. O cansaço psicológico daquele ambiente bélico já não lhe permitia aplicar uma injecção sem primeiro beber uma cerveja Nocal. Chegava a beber trinta cervejas por dia, mas sempre lúcido e alegre : “tinha bom vinho ! “, como na gíria se costuma dizer. Também daria um bom psicólogo.
Apenas um exemplo : Entra um negro de aspecto robusto na Enfermaria e, com algum constrangimento, mas logo apoiado pela forma como foi recebido e entendido pelo Luís Duque, acaba por “confessar” ter “perdido apetite pelas mulher”, solicitando “remédio” para que “a coisa voltasse funcionando”. O Luís conversou com ele, examinou-o, achou tudo normal e atribuiu aquela disfunção a factores de ordem psicológica. Então, entregou-lhe um comprimido branco sem marca (tratava-se daqueles comprimidos que colocávamos regularmente na água e que se destinavam a compensar a perda de sal).
O negro saíu agradecido. No dia seguinte aparece novamente na Enfermaria, com um sorriso atrevido, dando um apertado abraço ao meu amigo enfermeiro, dizendo-lhe com um incontido agradecimento : - Pucha, nosso cabo, aquela medicação é tiriqueda ! Duas mulher, pucha, duas mulher, nosso cabo !
Porém, apoiado no seu “incontestável conhecimento científico”, o senhor-doutor-alferes-médico entendeu também diagnosticar-me paludismo. Dado o meu estado de fraqueza aceitei o seu diagnóstico e, após a consulta, corri a tomar o Resoquina. Eu (tal era o meu estado) que não me cansava de aconselhar aos outros que tomassem aquele medicamento com muita água, ingeri-o apenas com um golinho. O resultado depressa se fez sentir : vómitos consecutivos seguidos de prolongados e incontroláveis espasmos. Fui evecuado para o Posto Médico do Batalhão. Aí esperei e desesperei, sofrendo as dores e o mau-estar a nível do aparelho digestivo, durante quatro longas horas, até ao regresso do senhor doutor que se havia deslocado a uma frente de combate para acorrer a uma emergência (o doente era Oficial, claro !).
Quase noite, o senhor doutor chegou a Sanza Pombo e, como já tinha recebido via rádio a indicação da minha presença e estado aparente de saúde, dirigiu-se imediatamente ao Posto Médico.
Aí, preparou a seringa, tentando, por via endovenosa (pela veia) aplicar-me uma substância que eu reconheci como sendo a substância activa dum medicamento já conhecido : Buscopam. Mas foi com enorme dificuldade que o médico conseguiu “encontrar” a veia. A seringa já continha sangue quer no interior quer no exterior. O meu bracinho ia sendo picado várias vezes até que acabou por acertar e injectar apenas a metade do líquido que restava.
Após o “muito-obrigado senhor doutor”, ele ainda me passou com um antiséptico no braço que se ia tornando arroxeado, dizendo-me : - É pá, tu tens uma veia extremamente difícil de encontrar !
Arrastei-me até ao fundo da única rua existente, entrei numa loja, daquelas que vendem de tudo, comprei uma cerveja preta e dois ovos. No aquartelamento fiz uma gemada e tomei-a. Quando tomei conhecimento de que só daí a uns dias havia transporte até Quicua, nos dias seguintes voltei a repetir o tratamento caseiro mas efectivamente eficaz, que eu havia aprendido com a minha avó.
Terminada a comissão de serviço e já na Metrópole, a Empresa onde reocupei o meu posto de trabalho, tinha já um protocolo com uma Clínica na qual se praticava a Medicina do Trabalho. Para além da consulta e respectiva radiografia ao tórax mandaram-me fazer análises ao sangue e à urina. Entrei naquela salinha branca onde andavam dum lado para o outro duas meninas também todas muito branquinhas, desde a touca aos sapatinhos ortopédicos. Uma delas, a loirinha com carinha angelical – devia ter uns vinte anitos – mandou-me sentar, colocou-me o garrote e preparou a seringa para a extracção de sangue para análise. Senti um calafrio e não pude deixar de a advertir : - Menina enfermeira, eu tenho uma veia muito difícil de encontrar ! Olhei para o lado, pois na altura fazia-me impressão a picadela, e ela, quase de imediato responde-me com uma vozinha tão doce : - Não tem nada, não senhor ! Já está, viu ?
Naquele dia quente aterrou na pista do nosso aquartelamento um alferes-médico para efectuar, durante uma semana, um rastreio clínico aos militares e população autóctone.
No primeiro dia de consultas observou dezoito pessoas e a todas elas diagnosticou paludismo (doença tropical contraída em consequência da picada dum insecto). Haviam-lhe ensinado durante a especialização que aquela era a doença mais frequente nos países tropicais. O tratamento preferencial, aliás não havia outro, era ministrado sob a for de comprimidos : Resoquina, para além do controle constante do estado febril, aplicando-se panos molhados sobre a testa e todo o resto do corpo, substituindo-os sempre que necessário. Na minha tenda chegámos a fazer turnos, dia e noite, a um camarada com hipertermia.
Resoquina tomava-se por tudo e por nada. Continha uma substância de alto teor de acidez e por isso devia ser tomado com muita água e, caso houvesse, algo sólido (uma côdea dura de pão, por exemplo). Quando prescrito havia sempre o cuidado reiterado de indicar ao doente aquele procedimento.
No último dia da visita do médico ao aquartelamento, e dado encontrar-me muito debilitado física e psicologicamente, resolvi colocar-me na fila para solicitar ao médico autorização para me serem fornecidas cápsulas vitamínicas, que eu sabia existirem num armário da Enfermaria, assim como o ansiolítico, hipnótico, miorrelaxante e anti-convulsiomante DIAZEPAM. Assim, evitaria ao meu amigo enfermeiro (por vocação) Luis Duque futuros constrangimentos e até uma eventual sanção disciplinar sempre que mos trouxesse, um a um, às escondidas. O Luís era um excelente rapaz e um bom amigo. Decorador e vendedor de móveis tornou-se num paramédico excepcional, a quem não o conhecendo, se lhe poderia retirar o “para”. Tinha vocação e era dedicado e exemplar tanto nos diagnósticos como nas pequenas intervenções cirúrgicas. O cansaço psicológico daquele ambiente bélico já não lhe permitia aplicar uma injecção sem primeiro beber uma cerveja Nocal. Chegava a beber trinta cervejas por dia, mas sempre lúcido e alegre : “tinha bom vinho ! “, como na gíria se costuma dizer. Também daria um bom psicólogo.
Apenas um exemplo : Entra um negro de aspecto robusto na Enfermaria e, com algum constrangimento, mas logo apoiado pela forma como foi recebido e entendido pelo Luís Duque, acaba por “confessar” ter “perdido apetite pelas mulher”, solicitando “remédio” para que “a coisa voltasse funcionando”. O Luís conversou com ele, examinou-o, achou tudo normal e atribuiu aquela disfunção a factores de ordem psicológica. Então, entregou-lhe um comprimido branco sem marca (tratava-se daqueles comprimidos que colocávamos regularmente na água e que se destinavam a compensar a perda de sal).
O negro saíu agradecido. No dia seguinte aparece novamente na Enfermaria, com um sorriso atrevido, dando um apertado abraço ao meu amigo enfermeiro, dizendo-lhe com um incontido agradecimento : - Pucha, nosso cabo, aquela medicação é tiriqueda ! Duas mulher, pucha, duas mulher, nosso cabo !
Porém, apoiado no seu “incontestável conhecimento científico”, o senhor-doutor-alferes-médico entendeu também diagnosticar-me paludismo. Dado o meu estado de fraqueza aceitei o seu diagnóstico e, após a consulta, corri a tomar o Resoquina. Eu (tal era o meu estado) que não me cansava de aconselhar aos outros que tomassem aquele medicamento com muita água, ingeri-o apenas com um golinho. O resultado depressa se fez sentir : vómitos consecutivos seguidos de prolongados e incontroláveis espasmos. Fui evecuado para o Posto Médico do Batalhão. Aí esperei e desesperei, sofrendo as dores e o mau-estar a nível do aparelho digestivo, durante quatro longas horas, até ao regresso do senhor doutor que se havia deslocado a uma frente de combate para acorrer a uma emergência (o doente era Oficial, claro !).
Quase noite, o senhor doutor chegou a Sanza Pombo e, como já tinha recebido via rádio a indicação da minha presença e estado aparente de saúde, dirigiu-se imediatamente ao Posto Médico.
Aí, preparou a seringa, tentando, por via endovenosa (pela veia) aplicar-me uma substância que eu reconheci como sendo a substância activa dum medicamento já conhecido : Buscopam. Mas foi com enorme dificuldade que o médico conseguiu “encontrar” a veia. A seringa já continha sangue quer no interior quer no exterior. O meu bracinho ia sendo picado várias vezes até que acabou por acertar e injectar apenas a metade do líquido que restava.
Após o “muito-obrigado senhor doutor”, ele ainda me passou com um antiséptico no braço que se ia tornando arroxeado, dizendo-me : - É pá, tu tens uma veia extremamente difícil de encontrar !
Arrastei-me até ao fundo da única rua existente, entrei numa loja, daquelas que vendem de tudo, comprei uma cerveja preta e dois ovos. No aquartelamento fiz uma gemada e tomei-a. Quando tomei conhecimento de que só daí a uns dias havia transporte até Quicua, nos dias seguintes voltei a repetir o tratamento caseiro mas efectivamente eficaz, que eu havia aprendido com a minha avó.
Terminada a comissão de serviço e já na Metrópole, a Empresa onde reocupei o meu posto de trabalho, tinha já um protocolo com uma Clínica na qual se praticava a Medicina do Trabalho. Para além da consulta e respectiva radiografia ao tórax mandaram-me fazer análises ao sangue e à urina. Entrei naquela salinha branca onde andavam dum lado para o outro duas meninas também todas muito branquinhas, desde a touca aos sapatinhos ortopédicos. Uma delas, a loirinha com carinha angelical – devia ter uns vinte anitos – mandou-me sentar, colocou-me o garrote e preparou a seringa para a extracção de sangue para análise. Senti um calafrio e não pude deixar de a advertir : - Menina enfermeira, eu tenho uma veia muito difícil de encontrar ! Olhei para o lado, pois na altura fazia-me impressão a picadela, e ela, quase de imediato responde-me com uma vozinha tão doce : - Não tem nada, não senhor ! Já está, viu ?
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